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A arte do improviso de luz e som em Passagem

Equipe Lugar Desenhado

 

Fernandelli é um cara grande, de sorriso fácil. Tem uns olhos curiosos que dão a impressão de estarem sempre procurando uma coisa para fazer, para deixar mais bonito, para iluminar... Meio para alegrar mesmo. Quando ele caminha pelas ruas de Passagem, ali perto do Espaço Lunática, parece que, a qualquer momento, vai mover o corpo em uma dança qualquer. Ou que vai curtir um som de repente, embalado por alguma canção. Dá a impressão de que tudo foi sempre assim. Será que é porque ele está sempre grudado no Laboratório de Áudio de Passagem, ajudando a galera da região a gravar aquele som maneiro? Ou é porque ele trabalha jogando luz sobre aqueles palhaços coloridos que animam o distrito de Passagem e aquela região toda ali....Ou é porque, sem ele, o Natal de Luz da cidade de Mariana nunca teria a mesma graça?

 

Pois quando você escuta alguém cantando, ou quando um punhado de luz reflete os muros e o céu de Passagem, ou, ainda, quando qualquer dançarino passa por ali, cheio de brilho, pode apostar que o Fernandelli está por perto. É que a história dele já começou com essa coisa da arte... Principalmente do áudio. Começou a trabalhar nisso com 15 anos, meio moleque ainda. Vem de uma família de músicos. Enquanto outros caras se gabavam de ter isso ou aquilo (um carrão, por exemplo), o Fernandelli curtia, de verdade, era o equipamento de som do pai dele. Ali muita música era tocada: jazz, MPB... Sem falar do rádio que a família ouvia sem parar. Eram os anos 80 e a vida parecia embalada pelo Beto Barbosa, o Biquini Cavadão e os Engenheiros do Hawaii. 

É engraçado isso. Porque, mesmo ouvindo tanto rock e lambada naquele tempo, o sorriso do Fernandelli se alarga mesmo é ao som do Milton Nascimento e do Clube da Esquina. Isso tudo compõe a trilha sonora da vida dele, inspirada nas lembranças do bairro Jardim Alvorada, em Ouro Preto, onde cresceu. Mas ali foi só o ponto de partida. Hoje a vida dele está amarrada com uns laços bonitos à trajetória do pessoal que compõe a Companhia Lunática – antigo Grupo Stronzo, que chegou à Mariana no final dos anos 1990, direto de Governador Valadares. O Stronzo era formado por artistas e agentes culturais dispostos a apostar num projeto que tinha, por objetivo, levar ao município de Mariana espetáculos, shows e até oficinas. A sede do grupo passou a ser o armazém no distrito de Passagem de Mariana. Com o passar do tempo, no entanto, essa turma se encantou de vez com as possibilidades culturais da região e acabou ficando. Mais tarde, o grupo se desdobrou em outros dois: a Lunática (que viria a criar o Clube Osquindô) e o Circovolante. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Parte de quem o Fernandelli é hoje tem muito a ver com o antigo Stronzo – principalmente com o Toninho, o Antonio Caeiro, coordenador de projetos do Clube Osquindô, criado em 2008 pelo pessoal da Lunática. Na prática, o Osquindô aposta em ações para despertar a imaginação da meninada e dos jovens da região, estimulando o protagonismo das pessoas e envolvendo a comunidade nesse mundo da cultura. Naquela época, o Fernandelli, morador de Ouro Preto, era um dos caras conhecidos por consertar e mexer em equipamentos de som. “O Toninho estava fazendo um espetáculo com diversos artistas, e estava precisando com urgência de um técnico de som. Peguei um dinheiro emprestado só da passagem de ida e fui na hora. Graças a Deus deu tudo certo. Então conheci o Toninho – e também o trabalho do Circovolante e os outros projetos. Isso foi no início dos anos 2000, na época da Lei Rouanet”, relembra.

 

Foi um encontro especial esse. O Fernandelli diz que, trabalhando com essas pessoas, conseguiu, além de uma forma de sustento, uma oportunidade que mudou a vida dele. Trabalhar com o Toninho, que é uma pessoa com essa bagagem do teatro, foi um jeito bonito de aprender a participar da construção de um espetáculo. Fernandelli é o cara que está sempre ali, viajando com o pessoal para os eventos que acontecem em tantos lugares, atendendo e operando os equipamentos – e sempre com aquele jeito de improvisar, que herdou do pai, para resolver qualquer dificuldade de última hora.

 

Agora... Parece que a menina dos olhos dele é o Laboratório de Áudio na Passagem, onde muita gente já entrou para tocar, cantar... e, claro, para deixar gravado ali um som muito próprio. E também para pensar e aperfeiçoar os próprios equipamentos, para tirar deles o que houver de melhor nesse ou naquele evento. “Chamamos de ‘laboratório de áudio’ porque o áudio não é uma coisa pronta. É uma construção. Vem de uma criação. Improvisamos e construímos muitos equipamentos para as apresentações”, explica. Para o Fernandelli, ali existe um jeito diferente de “montar o som”. É preciso pensar a sonoridade, mas também a estética no interior de outras coisas. A técnica em si, segundo ele, não é o mais importante. Mais importante – ele destaca – é o artista, é quem se apresenta.  

 

Quando pensa em si mesmo como um “técnico”, ele se vê na função de preparar todo um caminho do engenheiro de áudio, além de cuidar dos aspectos operacionais do estúdio, lidando com microfones, fios etc. Tem também outras tarefas como o encaminhamento dos processos todos, o trabalho de recolher gravações, preparar os equipamentos para o engenheiro e tal. Até a iluminação entra no jogo quando é preciso, assim como toda a parte logística que abrange a montagem e a execução. E mais: tem a cenografia, que é “muito forte”, segundo ele. “Já fizemos muitos cenários, já fizemos até esculturas para as crianças das escolas daqui”, conta.

 

E é desse jeito aí... Essas coisas fazem brilhar os olhos do Fernandelli. No fundo, ele gosta mesmo é de gente e de lugares abertos para a cultura. Quer ajudar e explorar as potencialidades da região onde cresceu. Tanto que, fora das tarefas do dia a dia, ele também faz um trabalho social como regente de fanfarra na comunidade. “Todo mundo participa, todos os meus irmãos, minhas filhas e minha esposa”. 

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Ilustração: Maria Cecília Quadros

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